Acessibilidade na TV: você sabe o que é e como funciona?
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O Brasil tem mais de 45 milhões de pessoas com algum grau de deficiência visual ou auditiva, de acordo com o último levantamento do IBGE, em 2010. Para muitas delas, o simples hábito de ver televisão, tão presente na vida do brasileiro, pode se tornar uma grande dor de cabeça. Imagine alguém com surdez assistindo ao jornal sem a legenda que mostra o que está sendo dito pelos apresentadores. Um detalhe simples, mas que compromete a compreensão da notícia.
No caso dos deficientes visuais, também existem dificuldades. Numa novela, por exemplo, é comum a cena em que os mocinhos trocam olhares, se aproximam e dão aquele beijo apaixonado, sem dizerem uma palavra sequer. Compreender essa sequência de ações, que se passa toda em silêncio, é impossível para quem não pode enxergar.
Para garantir que toda pessoa com deficiência possa desfrutar da programação da TV aberta, o Ministério das Comunicações criou, em 2006, uma norma que obriga as emissoras a oferecerem recursos de acessibilidade a seus telespectadores. A norma nº 01/2006 foi resultado de uma consulta pública, que ouviu todos os envolvidos no tema, principalmente as entidades representantes de pessoas com necessidades especiais e as emissoras de radiodifusão.
São quatro os recursos de acessibilidade na TV: legenda oculta (closed caption); dublagem (tradução dos programas em língua estrangeira); Libras (linguagem de sinais) e audiodescrição (narração verbal do conteúdo, para pessoas cegas ou com baixa visão).
A legenda oculta e a dublagem já estão em vigor desde 2008, seguindo o que determina a norma. Já a inserção de uma janela (pequeno espaço delimitado no canto da tela) com um intérprete da Língua Brasileira de Sinais é obrigatória no horário político, em campanhas institucionais do governo e de utilidade pública. A audiodescrição começou a vigorar em julho do ano passado e, atualmente, está disponível em 2 horas de programação por semana. À época, a TV MiniCom fez uma reportagem apresentando o recurso. Assista, abaixo ou clique nesse link acessível.
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Prazos - A implantação dos recursos de acessibilidade é gradual porque a criação da norma coincidiu com o ano de lançamento da TV digital. Como a digitalização exigia grandes investimentos por partes das TVs, como a troca de equipamentos, o MiniCom decidiu criar um cronograma para que as emissoras implantem gradativamente as ferramentas, começando com poucas horas na programação semanal até cobrirem toda a programação.
A meta do governo é chegar à acessibilidade plena até 2020. No caso da audiodescrição, o processo é mais caro e conta com mais dificuldades de implantação, como a falta de profissionais na área. Por isso, o cronograma prevê 20 horas semanais em 2020.
“O ministério trabalha nessa interlocução, no sentido de construir as condições necessárias para que essa política pública se cumpra. Os portadores de deficiência dizem que as emissoras podem fazer muito mais e as emissoras dizem que é caro. Podemos ficar eternamente nessa discussão: ‘Podem fazer mais ou é caro? É caro ou podem fazer mais?’. O objetivo do ministério, no entanto, não é esse. É contribuir para que a gente consiga avançar rapidamente”, afirma Octavio Pieranti, diretor de Avaliação e Acompanhamento de Serviços de Comunicação Eletrônica do MiniCom.

Octavio Pieranti, diretor de Acompanhamento e Avaliação de Serviços de Comunicação Eletrônica do MiniCom. (Foto: Herivelto Batista)
Entre as medidas para tornar possível esse avanço, Pieranti destaca as negociações entre governo e indústria para que os aparelhos de TV já venham de fábrica com o conversor digital embutido. Uma conquista que já pode ser comemorada. É que, desde 2011, todos os televisores de plasma e LCD produzidos na Zona Franca de Manaus já saem de lá prontos para receber o sinal digital. A medida é importante, já que a audiodescrição, por exemplo, só pode ser sintonizada por uma TV digital.
Trabalhando pela inclusão - O alto preço dos televisores full HD (que saem das lojas totalmente prontos para a era digital) ou de um conversor (que pode ser instalado em um aparelho de TV convencional) ainda é um limitador para grande parte dos deficientes.
É o caso de José Aurélio Oliveira (foto abaixo), 46 anos, vice-presidente da Associação de Amigos dos Deficientes Visuais do DF. Ele perdeu a visão há três anos por conta de um glaucoma causado pelo diabetes e, desde então, passou a estudar no Centro de Ensino Especial de Deficientes Visuais do Distrito Federal, uma escola pública que atende tanto crianças quanto adultos.

Foto de José Aurélio Oliveira. Crédito Herivelto Batista.
Fã de televisão, José Aurélio precisou reaprender a curtir seus programas favoritos tendo a audição como guia, mas ainda não desfruta dos benefícios da audiodescrição por não ter um aparelho compatível. Ouça abaixo o depoimento dele sobre a importância da audiodescrição na programação da TV.
Especial sonora José Aurélio (clique para ouvir)
Texto do áudio: “O deficiente visual quer ter sua independência. Ele escuta rádio, assisto televisão. Eu assisto televisão, futebol, Fórmula 1, os comerciais, que eu acompanho promoções em casa. Eu perdi a visão, mas não perdi o hábito de estar acompanhando a TV. E a maioria aqui também gosta de assistir TV. Acaba não assistindo por ter essas dificuldades."
Rubens de Oliveira (foto abaixo), de 44 anos, estuda na mesma escola que José Aurélio. Ele nasceu com a Síndrome de Usher, que combina surdez profunda e perda progressiva da visão. Para ver seus programas favoritos, faz uso da legenda oculta. Embora reclame que as legendas entrem e se apaguem muito rápido, Rubens reconhece que ficou muito melhor ver TV com elas.
“Antes, eu não entendia nada, via apenas as imagens. Como não tinha legenda na televisão, eu preferia alugar um DVD”, conta. Agora, ele já pode assistir aos telejornais, de que tanto gosta, e compreender melhor o que está sendo dito.

Foto de Rubens de Oliveira. Crédito Herivelto Batista.
A guia-intérprete Gisela Schneider, que dá aula de Libras para Rubens, diz que o ideal mesmo seria que a janela com a Língua Brasileira de Sinais estivesse presente em toda a programação. Isso porque as pessoas com surdez têm o vocabulário mais restrito. Por estarem acostumadas a uma comunicação mais objetiva, elas precisam fazer um grande esforço para entender tudo o que está nas legendas, como o uso de artigos e conectivos.
Ainda assim, Gisela observa, no dia-a-dia, os reflexos da acessibilidade na TV. Ela, que não tem o hábito de ver televisão, acaba sabendo de várias notícias pelo aluno Rubens. “Ele briga comigo porque eu não assisto”, ri a professora.
É para remover esses empecilhos e tornar os recursos mais frequentes que o Ministério das Comunicações trabalha ao formular políticas para acessibilidade na radiodifusão.
“Existe toda uma cadeia envolvida, que vai desde o telespectador até o governo, as emissoras, os fabricantes de equipamentos e os produtores de conteúdo. O MiniCom trabalha no meio desse sistema, de modo a criar as condições para que os recursos de acessibilidade sejam cada vez mais baratos e cada vez mais populares entre as emissoras. E só quem ganha com isso é a sociedade”, ressalta o diretor Octavio Pieranti.
Formação de profissionais - Quando o assunto é acessibilidade, a formação de profissionais capacitados também entra em cena. No caso da audiodescrição, recurso implantado mais recentemente, ainda há muito desconhecimento sobre como funciona o trabalho. Não se trata de apenas narrar o que está acontecendo na tela. É preciso elaborar um roteiro minucioso, com antecedência, e passar, de forma objetiva, todas as informações visuais que possam ajudar as pessoas cegas a compreenderem o programa.
A produtora cultural Lara Pozzobon sabe bem como esse trabalho é delicado. Ela e a irmã, a atriz Graciela Pozzobon, foram pioneiras na realização de audiodescrição no Brasil. O contato das duas com a acessibilidade começou em 1999, quando Lara produziu um curta-metragem chamado Cão-Guia, em que Graciela interpretava uma garota cega. Em 2003, esse interesse se intensificou e Lara resolveu realizar no Brasil o Festival Assim Vivemos, só com filmes sobre deficiência. A ideia era montar um evento que abordasse o tema e também mostrasse como era possível fazer a inclusão desse público. Foi para oferecer o recurso da audiodescrição no festival que as irmãs Lara e Graciela buscaram aprender tudo o que fosse possível sobre o assunto.

A atriz Graciela Pozzobon, na cabine de gravação de audiodescrição, durante o Festival Assim Vivemos. (Foto: Festival Assim Vivemos).
No início, a busca foi um pouco intuitiva: pesquisaram muito na internet e utilizaram seus conhecimentos acadêmicos para elaborar os roteiros e as locuções – Lara é doutora em Letras e Graciela é formada em Artes Cênicas. Depois, foram buscar feedback dos próprios deficientes, que eram o público-alvo. “Fomos aprendendo enquanto fazíamos”, conta Lara. Hoje, o Festival Assim Vivemos já está em sua quinta edição e muitos outros projetos vieram. As irmãs montaram até uma empresa, a Cinema Falado, que tem na audiodescrição um dos eixos de trabalho.
“Tentamos colocar a acessibilidade em todos os nossos projetos, mesmo que não sejam sobre pessoas com deficiência. Seja uma peça de teatro ou um filme, sempre colocamos interpretação em língua de sinais, legendas, audiodescrição. Isso passou a ser uma questão importante para nós”, afirma Lara.
A empresa já capacitou e formou mais de 40 audiodescritores. O interesse vem, principalmente, de pessoas das áreas de Letras e Comunicação. Lara defende a necessidade de regulamentar a profissão, para que mais pessoas possam atuar na área e mais projetos de capacitação possam surgir.
“Os recursos de legenda oculta e língua de sinais já estão mais divulgados. A lei começou a vigorar antes e as pessoas já sabem do que se trata. No caso da audiodescrição, isso ainda não acontece”, diz Lara Pozzobon
Para ela, quanto mais programas com o recurso forem exibidos na TV, mais a população tomará consciência da importância da audiodescrição: “Duas horas por semana é pouquíssimo, mas é um começo. De algum jeito essa mudança tinha que começar”.
Fiscalização - O Ministério das Comunicações está fiscalizando o cumprimento da norma de acessibilidade. No ano passado, o MiniCom avaliou se as emissoras do Distrito Federal cumpriram a quantidade de horas na programação que deveria vir com os recursos. O resultado: seis empresas foram notificadas por irregularidades. Agora, a meta é ampliar esse trabalho e fiscalizar todas as emissoras, em todos os municípios.
O diretor Octavio Pieranti explica que o ministério criou, no início deste mês, um novo mecanismo para fiscalizar as emissoras: os Sorteios para o Acompanhamento da Radiodifusão (SAR). A cada dois meses, o MiniCom vai sortear um determinado número de municípios onde todas as emissoras serão fiscalizadas. Além do cumprimento da acessibilidade, o ministério vai avaliar questões de conteúdo – como veiculação de propaganda eleitoral e percentual máximo de publicidade na programação – e cumprimento de obrigações contratuais por parte das emissoras.
“O Ministério das Comunicações está atento à questão da acessibilidade e vamos contribuir para esse recurso avançar cada vez mais”, afirma Pieranti.
Conheça mais sobre os recursos de acessibilidade obrigatórios na TV e as penalidades aplicadas às emissoras que não cumprirem as normas estabelecidas pelo MiniCom.
TV MiniCom - Desde o ano passado, a TV MiniCom, um canal de reportagens do Ministério das Comunicações no YouTube, oferece recursos de acessibilidade. Todas as reportagens são legendadas e, desde abril de 2011, contam com versões em audiodescrição. Para assistir a essas reportagens, acesse www.youtube.com/conexaominicom