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Gestante com deficiência visual quer ultrassom com audiodescrição

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Descrição da foto: Foto colorida, em plano americano (das coxas para cima), de Jucilene, uma jovem morena de cabelos longos mechados, rosto arredondado, boca com um largo sorriso, usando vestido em tons degradê do laranja ao rosapêssego, de alcinhas finas e decote franzido, com camiseta rosa por baixo. Ela está sentada em uma cadeira preta de escritório e segura com uma mão a barriga.

Jucilene, amiga de muitos anos, com a qual venho compartilhando muitas experiências e histórias, grande parte delas ligadas à audiodescrição, está grávida. E como toda gestante em seu pré-natal, foi fazer seu segundo ultrassom. Desde o começo da gravidez, que ela já vinha comentando que seria muito legal que eu fosse junto para fazer a audiodescrição do exame. “Nossa”, pensei, “preciso me preparar para isso…” E fui pesquisar na internet o que revelam os exames de ultrassom nas diversas semanas de gestação, tentando aprender a terminologia e conhecer as imagens para ganhar familiaridade com o tema.

Não consegui acompanhá-la no primeiro, mas neste, lá estava eu no meio dos dois, papai e mamãe, olhos grudados no monitor, tentando traduzir em palavras as imagens acinzentadas que iam sendo exibidas à medida que a médica, a Dra. Clarissa, passava o aparelho sobre a barriga besuntada de gel de Jucilene.

Comentei: “Ju, o que eu estou vendo agora não é exatamente o contorno do bebê, mas algumas bolhas de ar que se movimentam lentamente, parecendo flutuar.”

Dra Clarissa foi explicando, com objetividade, cada imagem que aparecia no monitor e eu ia complementando com mais detalhes descritivos que pudessem dar a Jucilene e Sandro a possibilidade de construção da imagem mental do bebezinho, confortavelmente aninhado na barriga da mamãe. E todas as partes de seu corpinho flexionado foram sendo exibidas: a coluna vertebral curvada, o rostinho de perfil já com o nariz e boca delineados, os dedinhos das mãos fechados e um deles esticado como se estivesse a apontar, os órgãos do aparelho digestivo e urinário, os órgãos genitais que a Dra Clarissa descreveu como o casco de uma tartaruga, o coraçãozinho pulsando, os ossinhos dos braços e das pernas, o cérebro com canais finos compondo a massa encefálica.

Jucilene contou para Dra Clarissa o que é audiodescrição e sobre sua importância para as pessoas com deficiência visual. A médica explicou que já traduz as imagens mostradas no monitor para suas pacientes que enxergam, pois é mesmo difícil entender aquelas imagens ainda sem contornos definidos que não lembram formas humanas. Para as mamães com deficiência visual, mais alguns detalhes descritivos poderão fazer toda a diferença. Jucilene confirma isso em seu depoimento:

“Sou uma mamãe ansiosa por sentir em meus braços o frágil corpinho desse bebê que sinto a cada dia crescer e fortalecer dentro de mim.

Este não é o primeiro filho, mas devo dizer que cada filho é único, cada gravidez tem suas particularidades. Me lembro como se fosse hoje ao fazer o primeiro ultrassom do Gianluca, que hoje tem 8 anos. Foi um momento mágico, saber que estava tudo bem, ouvir o pulsar do seu coraçãozinho. Mas confesso que seria bem interessante se tivesse um pouco mais de detalhes a cada exame. É fato que hoje temos muito mais recursos ao nosso alcance, pois se antes para gravar levávamos fita K7, imaginem o tamanho da evolução em levar hoje um DVD.

Agora que podemos usufruir deste maravilhoso recurso que é a audiodescrição, busco sempre fazer com que as pessoas me detalhem, contem o que estão vendo, mesmo que elas não façam a menor ideia num primeiro momento do que seja o recurso e sua importância para nós, pessoas com deficiência visual.

Neste período de minha gravidez, tenho conhecido muitas mamães na mesma situação que eu, que esperam ansiosas para dar a luz a mais um ser para este planeta. A única diferença é que elas enxergam e os papais também. O papai Sandro tem me acompanhado em todas as etapas desta gestação. Por isso, achei bem justo e válido convidar a nossa querida amiga para descrever este exame para nós. Transformar em palavras as imagens que ficam tão distantes aos nossos olhos. Eu ainda posso sentir o pesar da barriga, os chutes deste molequinho que se vira prá cá e prá lá dentro do meu útero. Quis tornar mais próximo do papai tudo o que acontece aqui dentro.

Só posso dizer que mesmo ainda com os contornos cinzentos, foi uma experiência muito rica e diferente. Tenho muita sorte de ter ao meu lado pessoas tão especiais que dão ainda mais cor a este momento que para mim tem sido muito importante. Por isso, se você mamãe com deficiência visual for fazer estes exames de imagem, peça mais detalhes aos médicos. Explore sua imaginação e tenho certeza de que será o máximo. A audiodescrição não acontece apenas em teatros, cinemas ou em qualquer outro programa cultural, mas sim em tudo aquilo que não tiver palavras, mas que tenha importância para você. Faz parte do nosso dia-a-dia, afinal dizem que o mundo é visual.”

E essa tradução do visual para o verbal não restringe-se a futuras mamães com deficiência visual, mas estende-se também a pais que queiram acompanhar o pré-natal e o nascimento de seus bebês, a pacientes que são atendidos em hospitais ou consultórios, a pessoas que vão fazer exames em laboratórios, ou que são atendidas em clínicas de reabilitação e outros locais na área da saúde.

É isso mesmo… Médicos, dentistas, fisioterapeutas e outros profissionais da saúde podem e devem introduzir mais informações descritivas em seus atendimentos a pessoas com deficiência visual, o que certamente irá informar e complementar o entendimento sobre o ambiente, instrumentos e procedimentos, baixando, com isso, a ansiedade e colaborando para um atendimento com mais qualidade, comunicação e interação. Uma atitude respeitosa que demonstra a preocupação com acessibilidade e inclusão.

Por Lívia Motta – publicado em 27 de agosto de 2012.
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